
Em audiência pública para discutir práticas anticoncorrenciais das lojas de aplicativos móveis da Apple e do Google, desenvolvedores e entidades da sociedade civil pediram, em coro unânime, que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica adote medidas preventivas ao duopólio.
“Hoje, o ecossistema está comprometido e é disfuncional, porque duas empresas, Apple e Google, controlam a grande maioria dos dispositivos moveis que usuários usam para acessar a internet, incluindo sistemas operacionais e software embarcados, controlam quais aplicativos os consumidores podem instalar em seus dispositivos e em quais termos”, disparou Mauricio Longoni, diretor sênior de desenvolvimento de jogos da Epic Games, empresa que já travou disputas judiciais com as duas empresas nos EUA.
A audiência do CADE buscou subsídios da sociedade para aprofundar a discussão sobre os aspectos concorrenciais relacionados aos ecossistemas digitais em que se inserem os sistemas operacionais para dispositivos móveis iOS da Apple e Android do Google.
Entre as quase 20 empresas e entidades que participaram do debate promovido pelo CADE, apenas a dupla que está na mira de investigações do órgão antitruste defenderam as práticas comerciais adotadas – com exceção da Proteste, para quem o fato de o sistema Android rodar em diferentes marcas de smartphones favorece a Google e merece remédio distinto da Apple.
O diretor jurídico da Apple para América Latina e Canadá, Pedro Pace, sustentou que a maioria dos desenvolvedores que utilizam a App Store não pagam as taxas da empresa – que chega a morder 30% da receita de apps comercializados.
Segundo ele, a Apple cobra comissão em dois tipos de aplicativos: os pagos e os que vendem bens e serviços digitais dentro dos próprios apps. “85% dos aplicativos disponíveis não pagam comissão à Apple”, insistiu. A Apple alega que enfrenta concorrência e cita o sucesso do Android no Brasil. “Os desenvolvedores podem escolher criar software para Android e distribuir somente pela Google Store”, disse Pace.
A diretora da Google Play para a América Latina, Regina Chamma, reforçou a defesa de que o sistema Android é de código aberto e utilizado por diferentes marcas de dispositivos, o que ajuda a viabilizar equipamentos a partir de R$ 300 no Brasil, ampliando as condições de comercialização de aplicativos. “O Google Play é uma das lojas, mas fabricantes como Samsung e Xiaomi também fazem parte do mercado”, defendeu. Além disso, a Google sustenta que há forte competição entre Android e iOS e que isso fomenta a inovação.
Medidas preventivas
A tônica da audiência pública foi a defesa de que o CADE adote medidas ex ante para regular o mercado de aplicativos móveis. Para a representante da Abranet, Marcela Mattiuzzo, o CADE deve repetir no ambiente digital o sucesso da quebra do duopólio dos cartões de crédito entre Visa e Mastercard no Brasil.
“Em 2009, uma atuação conjunta do Cade e do Bacen, acabou com o duopólio no credenciamento, abriu o mercado e possibilitou uma concorrência pujante nesse segmento. A Abranet entende que é extremamente desejável que o Cade atue para destravar o potencial competitivo dos mercados digitais, especificamente dos ecossistemas digitais moveis.”
O presidente da Zetta, entidade que representa fintechs, Eduardo Lopes, reforçou o pleito ao apontar especialmente para as restrições da Apple a meios de pagamento que não o próprio Apple Pay. Segundo ele, essas restrições vão inviabilizar o PIX por aproximação em aparelhos iPhone.
“Infelizmente, as tarifas e o esforço de desenvolvimento requerido por soluções proprietárias vão tornar inviável Pix por aproximação em dispositivos iOS. Afinal, o Pix é gratuito, mas os custos que a Apple cobra são muito elevados”, afirmou.
Para o pesquisador e codiretor da Data Privacy Brasil, Rafael Zanatta, o CADE deve aproveitar remédios anticoncorrenciais oriundos da disputa judicial da Epic Games contra a Google, nos EUA. “Um ponto importante é que empresas como Apple e Google detém poder sobre os dados, elemento essencial de estratégia de mercado e perpetuação de suas vantagens competitivas”, destacou.
Ele lembrou, ainda, de medidas como ´silos de dados´, que impedem o cruzamento de informações de diferentes aplicações (como Facebook e Whatsapp, por exemplo) e a exigência do compartilhamento de dados brutos com concorrentes.
“Remédios concorrenciais podem e devem incluir medidas relacionadas aos dados. Ao permitir que desenvolvedores utilizem sistemas de pagamento alternativos, reduz o controle do Google sobre informações transacionais e enfraquece seu poder de mercado. Nossa recomendação ao CADE é explorar essa possibilidade”, defendeu.