ANPD rejeita novo modelo de coleta de íris e mantém proibição de pagamento por biometria
Para Autoridade, novo sistema da Tools for Humanity distancia coleta da contraprestação, mas não elimina pagamento.

A Autoridade Nacional de Proteção de Dados decidiu que o novo modelo de negócios apresentado pela empresa Tools for Humanity (TFH), de pagamento pela coleta biométrica da íris, não elimina os riscos que já levaram a ANPD a adotar medida cautelar que impede a contraprestação.
“Ainda que se observe, na nova proposta, um aparente distanciamento entre a coleta de dados pessoais e a concessão da contraprestação, tal separação aparentemente não se revela suficiente para afastar os riscos previamente identificados”, concluiu o conselheiro Arthur Sabbat no voto que embasou a nova decisão da Autoridade.
Como apontou, “mesmo com o distanciamento formal, aquele que indica terceiros permanece sendo beneficiado economicamente com base exclusiva na coleta de dados biométricos de novos titulares. Em última instância, portanto, o fluxo financeiro continua sendo ativado a partir da captação de dados biométricos, o que indica uma modificação na forma, mas não na essência da interferência sobre o consentimento ‘livre’”.
Em nota a esta Convergência Digital, a TFH, empresa colaboradora do protocolo World diz que “respeitosamente discorda da interpretação da ANPD e pretende buscar medidas legais adicionais para esclarecer a questão”.
“Programas de indicação são uma prática comum no Brasil e amplamente usados em setores aéreo, financeiro, telecomunicações e de pagamentos — inclusive por instituições públicas. Acreditamos que a implementação de um programa de indicação atende à decisão técnica preliminar da Autoridade e cumpre com os requisitos da LGPD. A World continuará trabalhando junto à ANPD e seguirá o processo legal conforme estabelecido, enquanto permanece comprometida em expandir o acesso à tecnologia de prova de humanidade no Brasil. Essa importante tecnologia continuará disponível para os brasileiros em locais selecionados, de forma limitada”, diz o comunicado da empresa.
A TFH encaminhou uma “carta” à ANPD para apresentar um novo modelo de negócios. “A TFH implementou mudanças técnicas garantindo que a pessoa que verifique seu World ID não será elegível para solicitar a quantidade de Worldcoin (WLD) que é normalmente disponibilizada a qualquer pessoa ao redor do mundo que verifique seu World ID. Isso foi feito através da restrição de funcionalidades técnicas dentro da aplicação e dos serviços associados, impedindo que pessoas no Brasil solicitem WLD pela verificação de seu World ID e mantendo a base legal do consentimento para esta operação de tratamento”, defendeu.
A carta é uma consulta à ANPD sobre a legalidade do novo modelo frente à Lei Geral da Proteção de Dados (Lei 13.709/18). Mas a Autoridade entendeu que a comunicação equivale a um recurso. “Ainda que o pedido não se refira diretamente à medida preventiva, sua aprovação implicaria, na prática, o esvaziamento de seus efeitos.”
Em janeiro deste 2025, a ANPD adotou uma medida cautelar que proibiu o pagamento pela coleta da íris no Brasil. Em março, ao avaliar um recurso da TFH, manteve a decisão no sentido de não deve conceder compensação financeira para a emissão de World ID a partir da coleta de imagens de íris de titulares de dados pessoais no Brasil. E como apontado à época pela ANPD, isso significa que “a compensação financeira aos titulares de dados deve ser interrompida, não apenas ‘distanciada’ da coleta do ponto de vista operacional”.
A ANPD também expressou preocupação com a estratégia de implantação da empresa no Brasil, que concentra postos de verificação em regiões periféricas, de maior circulação de pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica. A comunicação utilizada pela TFH, que associava o escaneamento da íris à possibilidade de “ganhar dinheiro”, também foi alvo de críticas por sua falta de transparência e pelo potencial de indução ao consentimento viciado.
Com a manutenção da medida preventiva, a Coordenação-Geral de Fiscalização da ANPD continuará a analisar as operações da Tools for Humanity no Brasil. O órgão deve avaliar, de forma abrangente, aspectos como a adequação das técnicas de anonimização, a compatibilidade das finalidades declaradas com o tratamento realizado e as garantias efetivas oferecidas aos titulares de dados.
No mais, a ANPD também alertou para o risco de atrasos no processo de fiscalização em razão de repetidas alterações no modelo de negócio da empresa. “A contínua alteração das operações de tratamento tende a dificultar o avanço do processo de fiscalização, que precisa progredir para análises mais aprofundadas”, concluiu o conselheiro Arthur Sabbat.