Em documento enviado à Fundação Cesgranrio e ao Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal (MPF), recomendou a suspensão da divulgação dos resultados finais do Concurso Nacional Unificado (CNU) de 2024 até que as falhas no cumprimento de regras relativas às cotas raciais previstas em lei sejam resolvidas.
Segundo o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Nicolao Dino, inquérito aberto para apurar o caso identificou uma série de irregularidades que “evidenciam um cenário de grave violação à política afirmativa de cotas raciais, comprometendo sua finalidade, a igualdade de acesso ao serviço público e a higidez do certame”.
Na recomendação, a PFDC destaca que a Cesgranrio, banca examinadora responsável pelo concurso, não notificou adequadamente os candidatos cotistas que voltaram a concorrer no CNU após decisão judicial tomada para regularizar o número de vagas destinadas às cotas. A PFDC aponta que, devido à ausência de notificação, milhares de concorrentes reintegrados não participaram da fase de envio de títulos, realizada nos dias 2 e 3 de janeiro de 2025, o que pode ter causado prejuízo na classificação dos candidatos negros cotistas.
Outro problema detectado se refere à ausência de fundamentação nas decisões de enquadramento de candidatos às cotas para pessoas pretas e pardas. A Cesgranrio não disponibilizou os pareceres motivados aos candidatos não enquadrados nas cotas raciais. A banca examinadora argumentou que, de acordo à Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), tal documento seria de acesso restrito até mesmo aos candidatos. No entanto, para a PFDC, trata-se de uma irregularidade que impossibilita os candidatos de exercerem o direito de contestação, prejudicando o devido processo legal.
A investigação também identificou o atraso na divulgação dos nomes dos avaliadores responsáveis pela heteroidentificação. Prevista para o dia 17 de outubro de 2024, a divulgação só ocorreu às vésperas do procedimento, em 1º de novembro. Essa etapa consiste na análise dos traços físicos dos candidatos e candidatas que se autodeclaram pretos ou pardos. A PFDC também aponta que essa avaliação não seguiu o parâmetro estabelecido judicialmente, de que, em caso de dúvida razoável sobre a identidade racial do candidato, deve prevalecer o critério da autodeclaração.
Além disso, a PFDC ressalta que o espaço disponibilizado pela plataforma do concurso para a interposição de recursos foi inadequado, sem permitir a juntada de documentos ou anexos que pudessem sustentar a defesa dos candidatos.
Para a PDFC, os problemas levantados violam princípios fundamentais como transparência, inclusão social e igualdade de tratamento, além de afetar o direito ao contraditório e à ampla defesa dos candidatos.
A recomendação foi assinada pelo procurador federal dos Direitos do Cidadão, Nicolao Dino, e pelo procurador regional dos Direitos do Cidadão Anselmo Henrique Cordeiros Lopes.
Providências – Com base em todas essas irregularidades, o MPF recomendou a suspensão da divulgação dos resultados finais do CNU até que todos os recursos administrativos sejam analisados de forma adequada. A recomendação também inclui a reavaliação dos candidatos que não foram enquadrados nas cotas de pessoas pretas e pardas, com a motivação clara e congruente das decisões de indeferimento.
Outras medidas solicitadas incluem a revisão dos procedimentos de heteroidentificação, a reabertura do prazo para recursos, o acesso irrestrito aos pareceres e decisões e a garantia de tratamento isonômico para todos os candidatos, respeitando os direitos constitucionais e legais de cada um.
A Fundação Cesgranrio e o Ministério da Gestão e Inovação têm um prazo de cinco dias para apresentar um relatório detalhado sobre as ações tomadas para atender às recomendações do MPF.