Brasil avançou no uso de dados na gestão pública, mas ainda há muito por fazer
Inteligência Artificial e Machine Learning estão entre as tecnologias com grande potencial de beneficiar cidadãos por meio de seu uso pela gestão pública. Exemplos como o desenvolvimento de cidades inteligentes e a ampliação de serviços públicos digitalizados mostram esse potencial, mas é preciso que os governos se organizem para tirar o máximo potencial dessas tecnologias e, principalmente, atender o cidadão.
O modo como isso pode ser feito foi o foco de um dos painéis realizados no Futurecom 2022, que acontece esta semana, em São Paulo. O debate contou com a participação do CTO de Governo da Huawei Brasil, Ricardo Mansano; da diretora de inovação e fomento da ABES (Associação Brasileira das Empresas de Software), Jamile Marques; e do CFO da I2AI, Alexandro Romeira.
Falando especificamente do uso da tecnologia pela administração pública no Brasil, todos concordaram que o País tem evoluído no uso de dados, ocupando posição de destaque na oferta de serviços públicos digitais. Ao mesmo tempo, ficou claro que ainda há muito por fazer.
Para Mansano, da Huawei, se de um lado há usos muito sofisticados de tecnologia, de outro há áreas ainda carentes. “O Brasil é gigantesco e temos situações em que há áreas com 400 ou 500 quilômetros de estrada de terra e aonde a conectividade não chega. Falamos hoje do 5G, mas sabemos que em alguns lugares sequer há energia elétrica”, compara.
O desafio aqui é garantir que o governo tenha presença também nestes locais. Mansano citou o exemplo da China, que implementou um plano de desenvolvimento econômico de 20 anos baseado em três grandes pilares: infraestrutura física, oferta de serviços e conectividade. “O que se percebe com a evolução do plano é que, quanto maior a conectividade disponível em uma região, menor o analfabetismo e maior o PIB”, revela.
Isso ocorre porque a conectividade é um importante vetor de educação e de equidade de acesso à população. Estes resultados foram possíveis porque houve um plano bem definido e, principalmente, continuidade. “O que falta ao Brasil para ser uma grande potência é que haja continuidade e não projetos iniciados e terminados a cada gestão. Não existe um plano para 30 ou 40 anos. Precisamos de um visão de longo prazo”, decreta.
E este planejamento deve ir além do uso da tecnologia, pensando principalmente na experiência do cidadão. Jamile, da ABES, acredita que as cidades inteligentes podem ser um ponto de integração e aproximação das pessoas com a tecnologia, desde que haja essa preocupação. Ela lembra que hoje não há uma preocupação específica com o uso que os idosos farão da tecnologia, por exemplo. “A partir da digitalização, quem não souber usar a tecnologia está excluído. Veja o exemplos dos supermercados cujos programas de fidelidade só funcionam via aplicativo. Um idoso que não tenha familiaridade com a tecnologia jamais terá descontos”, diz.
Romeira, da I2AI, lembra que a IA pode ser um importante aliado nessa inclusão e que a tecnologia já é capaz de reconhecer fazer recomendações personalizadas em diversos casos. “Se a IA for utilizada para ajudar a identificar as necessidades do cliente, ou ajudar um idoso a fazer suas compras – e tudo isso é possível – ela é mais inclusiva. Mas aí entra a regulação, se eu corto o reconhecimento facial, quanto eu diminuo de inclusão? Há aqui uma discussão. Existe a possiblidade de educar e incluir, mas é preciso regular isso”, questiona.
Sobre este ponto, Mansano lembra que muito se fala em proteção e privacidade, mas nunca as pessoas estiveram tão expostas. “Toda vez que se lança uma tecnologia, os mal intencionados também tiram vantagem dela, mas o mundo que vivemos hoje é disruptivo. O órgão regulador é necessário, mas acredito que tudo que vier em benefício do cidadão deve ser utilizado”, diz.
Mais que isso, Mansano defende que o primeiro passo deve ser uma profunda revisão de processos. “Não adianta operar IA e outros tipos de tecnologia se eu não parar para pensar se eu preciso delas, se eu não modernizar e capacitar os funcionários públicos e se eu não colocar o cidadão no centro da estratégia. É preciso pensar na experiencia do cidadão com um novo serviço antes de pensar na tecnologia, mas a revisão dos processos é fundamental”, afirma.