
A remoção de conteúdos falsos de plataformas digitais sem necessidade de ordem judicial ganhou força no país após o Supremo Tribunal Federal consolidar o entendimento de que empresas de tecnologia devem agir diante de notificações do poder público quando houver risco a direitos fundamentais.
Na esteira dessa decisão, a Procuradoria Nacional da União de Defesa da Democracia, da Advocacia-Geral da União, passou a adotar notificações extrajudiciais como instrumento central no combate à desinformação — e os resultados mostram alta efetividade: 88,2% das solicitações feitas às plataformas foram atendidas integral ou parcialmente.
“Conseguimos um índice muito bom de resolução sem a necessidade de sobrecarregarmos o Judiciário”, afirmou o procurador nacional da União de defesa da democracia, Raphael Ramos. Segundo ele, o objetivo é preservar a integridade do debate público e garantir que informações que impactam diretamente políticas sociais cheguem de forma clara à população.
A PNDD tem atuado especialmente em casos em que a desinformação afeta o acesso de grupos vulneráveis a direitos previstos em lei. Entre os episódios enfrentados estão campanhas falsas que associavam a vacina contra a Covid-19 ao risco de contrair o vírus HIV e publicações que propagaram informações equivocadas sobre o auxílio às vítimas das enchentes no Rio Grande do Sul, dificultando a chegada do apoio governamental.
Além da remoção de conteúdos, a Procuradoria tem recorrido a pedidos de derrubada de contas inteiras e direito de resposta. Ao mesmo tempo, o órgão conseguiu reduzir o índice de pedidos considerados inadequados aos critérios da instituição: de 47% em fevereiro para 35,4% em outubro. “Nossa atuação em defesa da integridade da informação, da liberdade de expressão e da democracia é múltipla e, inclusive, consultiva”, disse Ramos. “Hoje, nossa tarefa é fazer com que deveres legais sejam observados e impor responsabilidade aos responsáveis pela desinformação, golpes e fraudes.”
Um dado que acende alerta na Procuradoria é o avanço do uso de inteligência artificial na geração e disseminação de desinformação: 12% dos casos analisados já envolvem conteúdos manipulados por IA, o que tende a tornar o cenário ainda mais complexo. Ramos destacou que, apesar de avanços como o julgamento do STF sobre o Marco Civil da Internet e o chamado ECA Digital, as medidas ainda não dão conta do tamanho do problema.
A procuradora-geral da União, Clarice Calixto, reforçou que o Estado precisa se estruturar para enfrentar ataques às políticas públicas e à própria democracia. “Nas ditaduras, a vida das pessoas importa muito pouco. E o melhor lugar para enfrentar a desigualdade social é a democracia”, afirmou.
A Secretaria de Comunicação da Presidência também tem direcionado esforços para proteger beneficiários de políticas sociais, especialmente aqueles que recebem Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada (BPC), alvos frequentes de golpes e boatos online. A secretária adjunta de Políticas Digitais da Secom, Nina Santos, afirmou que a política de enfrentamento à desinformação deve combinar resposta imediata com mudança estrutural.
“A luta não é somente contra conteúdos manipulados e falsos, mas contra um problema sistêmico que requer uma solução estrutural”, disse. “Também queremos incentivar a produção de informação de qualidade e, assim, fortalecer a democracia.”
O avanço da atuação extrajudicial do Estado no combate à desinformação, agora respaldado pela interpretação do STF, indica um novo momento na relação entre governo, plataformas e proteção de direitos. A disputa por informação confiável, afirmam os participantes do debate, está no centro da defesa da cidadania.





