Agências reguladoras de telecomunicações, radiodifusão e correios
Para o setor de Comunicações do Brasil adotar as anunciadas recomendações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o arcabouço jurídico-constitucional em vigor precisará de revisão. A convergência de atribuições regulatórias a um só órgão será possível desde que as competências legais da Anatel, Ancine e Ministério das Comunicações sejam revistas, mediante árduas reformas da Lei Geral de Telecomunicações, Lei do Serviço de Acesso Condicionado, Lei do Audiovisual e da Constituição de 1988. Mas, para tanto, haveria comprometimento político dos poderes Executivo e Legislativo?
Para reflexão, vale a pena ver uma breve análise sobre o contexto de agências que regulam telecomunicações, radiodifusão e correios pelo mundo. Então, visitemos antes países como Alemanha, EUA, Reino Unido, França, Itália e Portugal, para, então, podermos chegar no Brasil. Na Alemanha, a Bundesnetzagentur für Elektrizität, Gas, Telekommunikation, Post und Eisenbahnen é uma autoridade federal independente. Fundada em 1998, como a Autoridade Reguladora de Telecomunicações e Correios, sua missão original foi impulsionar a liberalização dos mercados postal e de telecomunicações.
Em 2005, a Autoridade (que substituiu o Ministério Federal dos Correios e Telecomunicações e o Serviço Federal de Correios e Telecomunicações) foi denominada como Bundesnetzagentur. A partir de 2006, assumiu a supervisão do mercado ferroviário. Em 2011, lhe foi adicionada a atribuição de garantir o fornecimento de energia elétrica. Hoje, concentra-se nas condições gerais para a concorrência nas redes de energia, telecomunicações, correios, ferrovias e na expansão e modernização dessas infraestruturas.
Já a Radiodifusão, está sob a jurisdição de cada estado (chamado Länder). As emissoras comerciais de rádio e de televisão estão sujeitas a regras das autoridades de cada Länder. A lei central é o Tratado Interestadual de Radiodifusão e Telemídia (Staatsvertrag für Rundfunk und Telemedien), que mantém a base do precursor Tratado Interestadual de Radiodifusão na Alemanha Unificada (Staatsvertrag über den Rundfunk im vereinten Deutschland), de 1991.
Para os 16 Länder, existem 14 autoridades de mídia (duas das autoridades reguladoras têm jurisdição sobre dois estados) que formam a Associação das Autoridades Estaduais de Mídia (ALM), cujo órgão central executivo é a Conferência dos Diretores das Autoridades Estaduais de Mídia (DLM). Cabe à ALM a regulação das emissoras de radiodifusão de cobertura nacional, assim como, coordenar e unificar procedimentos das autoridades estaduais de mídia.
Nos EUA, a regulação da radiodifusão e telecomunicações é centralizada na Federal Communications Commission (FCC). Trata-se de uma agência independente criada pela Lei das Comunicações (Communications Act, de 1934). Embora boa parte das bases do marco legal estejam dispostas na Lei da década de 30, a legislação foi complementada pela Lei de Telecomunicações (Telecommunications Act, de 1996) que versa sobre temas como telefonia, radiocomunicação, procedimentos administrativos, cláusulas penais etc. Ainda que a Comissão não regule conteúdo, exerce forte fiscalização quanto à transmissão de conteúdos obscenos e impróprios na TV e no Rádio. Tem poderes de advertir, multar, cassar ou não renovar licenças.
A FCC é o principal órgão regulador das comunicações nos EUA, mas a fiscalização não é feita apenas pela Comissão. As atividades do governo são fiscalizadas pela National Telecommunications and Information Agency (NTIA). A FCC também não pode, de acordo com decisão da Suprema Corte, aplicar ou decidir sobre questões antitruste ou sobre propaganda veiculada na mídia. Nesse caso, a questão será da alçada da Federal Trade Commission (FTC). Além dessas restrições, a FCC não se envolve com conflitos contratuais entre empresas de radiodifusão, contratos e preços de publicidade, preços de televisão por assinatura, uso de circuitos fechados de rádio ou televisão e franquias de televisão a cabo para terceiros.
No Reino Unido, com o Communications Act, de 2003, o Office of Communication (Ofcom) foi constituído com poderes para regular radiodifusão e telefonia, bem como outras atividades de comunicação que usem o espectro eletromagnético. O órgão incorporou as funções antes desempenhadas por órgãos como o Office of Telecommunications (Oftel), a Broadcasting Standards Commission, a Radio Authority e a Radiocommunications Agency. Trata-se de uma agência independente, no âmbito do poder público, que responde ao Parlamento. Outras leis dispostas pelo governo do Reino Unido são relevantes para o setor postal. Em especial, a Lei dos Serviços Postais, de 2011, que dispõe como dever do Ofcom garantir a prestação do serviço postal universal.
Embora a regulação de jornais e revistas seja um papel atribuído ao Press Complaints Commission (PCC), acompanhar questões econômico-financeiras dessas empresas é atribuição do Ofcom. Em conformidade com o Enforcement Report, de 2009; o Ofcom faz valer a legislação sobre concorrência, concomitantemente ao Office of Fair Trading (OFT), o órgão que trata da concorrência de mercados e direitos dos consumidores. É papel do Ofcom atuar como a autoridade de aplicação da legislação sobre concorrência de mercado no setor das comunicações.
Na França, os setores de telecomunicações e postal são regulados pela Autorité de Régulation des Communications Électroniques et des Postes (Arcep), criada em 1997 com o nome de Autoridade Reguladora de Telecomunicações (ART), com a missão de apoiar a abertura à concorrência do sector das comunicações eletrônicas. Pela sua importância, o legislador considerou necessária a intervenção de uma autoridade estatal independente. Na França, o espectro eletromagnético é administrado por outro órgão, a Agence Nationale des Fréquences (ANFR).
A radiodifusão francesa é regulada por um órgão disposto na estrutura do Estado chamado de Conselho Superior de Audiovisual (CSA). O órgão trata de questões como licenciamento de canais a serem operados por empresas de radiodifusão, tendo poderes fiscalizadores sobre temas relacionados à veiculação de conteúdo. Também exerce funções no monitoramento no que se refere à concorrência e pluralidade. O CSA é o cessionário das frequências para o setor que regula. O planejamento e a distribuição das faixas de rádio e televisão são tarefas do CSA, que emite licenças, renova e monitora o seu uso. A responsabilidade técnica desse gerenciamento é competência da ANFR. O CSA coordena todo o processo de licenciamento, sendo a parte técnica executada pela ANFR.
Na Itália, a Autorità per le Garanzie nelle Comunicazioni (Agcom) é uma autoridade independente, constituída pela lei 249/1997. A independência e a autonomia são elementos constitutivos que caracterizam as suas atividades. É uma Autoridade de garantia da lei instituinte que atribui à Autoridade as tarefas de garantir a concorrência entre os operadores no mercado e proteger o consumo das liberdades fundamentais dos usuários. À semelhança das outras Autoridades previstas pelo ordenamento jurídico italiano, a Agcom responde pelos seus atos perante o Parlamento, que estabeleceu os seus poderes, definiu o estatuto e elegeu os seus membros.
A Agcom é uma Autoridade que desempenha funções de regulação e fiscalização nos setores das telecomunicações, audiovisual, edição e, mais recentemente, dos correios. As mudanças trazidas pela digitalização do sinal, que uniformizou os sistemas de transmissão de áudio (inclusive voz), vídeo (inclusive televisão) e dados (inclusive acesso à Internet), estão na base para a escolha do modelo convergente, adotado pelo legislador italiano e partilhado por outras entidades setoriais a nível europeu e internacional.
Em Portugal, cabe à Autoridade Nacional de Comunicações (Anacom) a regulação das comunicações, o que inclui a fiscalização de radiodifusão, telecomunicações e correios. A Anacom foi criada em 2002, em substituição ao Instituto das Comunicações de Portugal (ICP), para reunir em um único órgão regulador as atribuições que estavam dispersas em legislações diversas. As atribuições da Anacom são definidas na Lei das Comunicações Eletrônicas (Lei nº 5/2004) e na Lei dos Serviços Postais (Lei nº 102/1999). É uma entidade de direito público independente, dotada de autonomia administrativa, financeira e de gestão, bem como património próprio.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), por sua vez, tem como função principal acompanhar o conteúdo veiculado pelas emissoras de rádio e de televisão, tanto em termos de programação quanto em publicidade, aplicando as sanções cabíveis. A ERC, criada pela Lei 53/2005, é uma entidade de direito público, dotada de autonomia administrativa e financeira e de patrimônio próprio. A legislação atribui à ERC a regulação dos meios de comunicação social, a liberdade de imprensa e independência face aos poderes político e econômico.
No Brasil, com a criação da Anatel em 1997, a proposta do ministro Sergio Motta era reduzir as atribuições do Ministério das Comunicações (MC), a permanecer no mesmo, após certo período, exclusivamente as atribuições referentes às políticas de Comunicações. Na Exposição de Motivos EM Interministerial 268 MC/MARE, de 7/10/1997, os ministros Sergio Motta e Luiz Carlos Bresser Pereira encaminharam ao presidente da República o projeto de decreto que alterava a estrutura regimental do MC, a adequar sua estrutura às suas novas atividades. Na sequência, transcrevo fragmentos da referida EM.
“O processo de criação da Anatel (…) transfere do Ministério das Comunicações para a citada Agência, todas as atividades de telecomunicações das suas Secretarias finalísticas, integrantes da Estrutura Regimental vigente, aprovada pelo Decreto nº 2.048 de 29/10/1996. ”
“Foram transferidas para a Anatel todas as atividades da Secretaria de Administração de Radiofrequências, bem como aquelas relacionadas a telecomunicações, das Secretarias de Serviços de Comunicações e de Fiscalização e Outorga. Permanecem no Ministério as atividades referentes à regulamentação e outorga de serviços de radiodifusão e à normalização e avaliação dos serviços postais. ”
“Na etapa subsequente serão transferidas também para a Anatel as atividades remanescentes relativas aos serviços de radiodifusão e dos serviços postais, após aprovação, pelo Congresso Nacional, das novas leis que tratem desses serviços, atualmente em elaboração no Ministério das Comunicações. Portanto, extinguir-se-ão nesta Pasta as atividades operativas do setor, permanecendo apenas o estabelecimento de políticas e a supervisão da Agência, enquanto não forem efetivadas as alterações da Constituição e da Lei Geral de Telecomunicações que propiciarão a efetiva independência da Agência. ”
No dia 5/11/1997, ao instalar a Anatel em sua sede própria e empossar o Conselho Diretor, o ministro Sergio Motta apresentou os organogramas funcionais do Ministério das Comunicações e da Anatel, no passado, no presente e como ele via no futuro (quando a Anatel passaria a ser a Anacom). Mas o Ministro faleceu em 19/04/1998, portanto antes de poder implementar sua proposta de criação da Anacom.
Pela sua importância estratégica, principalmente em um momento de transformação digital das nações, a agenda das Comunicações requer atenção máxima por parte das autoridades constituídas, que precisam se debruçar no que precisa fazer, pois as tendências tecnológicas convergentes requerem mudanças em muitos aspectos regulatórios.
(*) O autor é Engenheiro Eletricista. Foi ministro de Estado das Comunicações e presidente da Anatel.