Oracle x Google: Suprema Corte sentencia o futuro da programação
A depender dos relatos sobre a sessão de quarta, 7/10, da Suprema Corte dos Estados Unidos – onde, ao contrário do evento televisivo que virou no Brasil, são proibidas até fotografias dos julgamentos – boa parte dos oito juízes se mostrou refratários aos argumentos apresentados pela Google na briga contra a Oracle, que se arrasta desde 2011 e que pode vir a gerar uma indenização de US$ 9 bilhões. Embora tenha insistido no entendimento comum no mundo da programação, é possível que a revisão do caso pelo Supremo dos EUA reafirme que APIs podem ser alvo de direito autoral.
A Oracle argumenta que a Google infringiu direitos autorais na linguagem de programação Java quando reimplementou APIs Java para uso por desenvolvedores de aplicativos Android. A Google, como mencionado, insiste que APIs não são exatamente códigos executáveis e muito menos passíveis de copyright. O impacto pode ser bilionário e afetar a própria interoperabilidade de sistemas – como defende, por exemplo, a Microsoft, uma das várias empresas de tecnologia que participa como o equivalente nacional de amicus curiae.
“Uma vitória da Oracle poderia remodelar a forma como a lei de direitos autorais trata as APIs, dando aos titulares o poder de impedir a entrada de concorrentes que queiram construir software compatível”, destaca relato da ArsTechica sobre o julgamento. Afinal, antes do processo da Oracle, a maioria das pessoas na indústria de software presumia que as APIs não podiam ser protegidas por direitos autorais. Ou seja, uma empresa de software poderia reimplementar as APIs do produto de um concorrente para permitir que o software, projetado para funcionar com o produto do concorrente, funcionasse com o seu próprio. Mais até que o impacto financeiro, uma decisão nesse sentido pode levar a um mundo onde problemas de compatibilidade entre programas se tornem regra.
Lá em meados dos anos 2000, a Google trabalhava para tornar o Android competitivo, tornando a plataforma interoperável com Java, uma linguagem de programação popular com uma grande comunidade de desenvolvedores. Para tanto, reimplementou várias APIs Java, incluindo as 37 que estão em questão no processo. A Oracle entende que isso lhe dá direito a ser dona de uma parte do Android, sistema que roda em 90% dos celulares do planeta.
Para reimplementar o Java, o Google tinha que copiar nomes e tipos de argumento de funções como java.lang.Math.max. Do contrário, um programa Java que usasse essas funções não funcionaria no sistema operacional do Google. A Lei de Direitos Autorais nos EUA diz que ninguém pode proteger com copyright uma “ideia, procedimento, processo, sistema, método de operação, conceito, princípio ou descoberta”. A Google sustenta que funções como Math.max são ‘métodos de operação’ e não comprou licença da Sun, que depois foi comprada pela Oracle.
Além de consequências como alimentar a indústria de trolls de copyright – empresas que compram direitos sobre tecnologias para processar por direito autoral criações que supunham estar lidando com código aberto – a própria competição e a também mencionada interoperabilidade tendem a ser afetadas por uma decisão favorável à Oracle. Afinal, empresas podem passar a fazer software deliberadamente incompatível com os produtos de seus rivais. E, ironicamente, a própria Oracle pode virar alvo da mesma acusação que faz contra a Google, tendo em vista que seu serviço de armazenamento em nuvem reimplementa uma API da Amazon Web Services.
Os relatos do julgamento também sugerem que se a maior parte dos juízes pareceu mais simpática à Oracle, isso teve ajuda de uma defesa ruim apresentada pela Google na sessão, sustentada mais em argumentos abstratos do que analogias mais fáceis de serem compreendidas pelos juízes. Até porque se a diferença entre um programa de computador e uma API é algo natural para um programador, o mesmo não pode ser dito para um colegiado onde apenas dois integrantes têm menos de 60 anos.
Ainda assim, veio do octagenário Stephen Breyer (82) a manifestação mais contundente a favor da Google, no sentido de que permitir à Oracle registrar interfaces de software seria como permitir que o inventor do teclado QWERTY ganhasse direitos de propriedade intelectual sobre todos os computadores. “Consequências muito ruins ocorrerão se não for vista essa distinção”, disse.
* Com informações da ArsTechnica e da CNN