
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados apontou uma série de irregularidades no uso de reconhecimento facial pelos 23 maiores clubes de futebol brasileiros para acesso aos estádios. A partir de investigação que começou com Flamengo, Palmeiras e Vasco, a Autoridade identificou violações à Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/18)
Segundo a ANPD, “o uso de tecnologia de reconhecimento facial para a identificação de torcedores mostra-se uma atividade de tratamento de dados pessoais realizada de forma abrangente, sistemática e com uso de tecnologia invasiva, que pode afetar significativamente os interesses dos torcedores”.
Para a Autoridade, “além da identificação biométrica ser imposta ao titular como uma obrigação legal, o uso da tecnologia pode afetar outros direitos e garantias fundamentais, como a liberdade de locomoção, o direito ao lazer e a proteção da sua privacidade”.
Além da instauração de processos de fiscalização, a ANPD determinou uma medida preventiva para que, em 20 dias úteis, os clubes publiquem uma série de informações nas plataformas de venda de ingressos sobre os procedimentos de cadastramento e de identificação biométrica de torcedores.
Como lembra a nota técnica da ANPD que instrui os processos, “os torcedores são expostos à captura massiva de seus dados pessoais e a sua reutilização para finalidades diversas para as quais eles foram coletados inicialmente, o que levaria a processo de ‘datificação’ vigilância e controle dos titulares”.
A ANPD exige informações sobre:
a) a quantidade de contas registradas de torcedores crianças e adolescentes menores de 16 anos de idade;
b) a hipótese legal que autoriza o tratamento de dados pessoais biométricos de torcedores crianças e adolescentes menores de 16 anos de idade;
c) as finalidades específicas desse tratamento, indicando a necessidade e a adequação da coleta dos dados biométricos para a consecução das finalidades informadas;
d) a existência de mecanismos eficientes de assistência e representação de pais ou responsáveis legais durante a coleta dos dados biométricos;
e) a existência de relatório de impacto à proteção de dados pessoais (RIPD) elaborado especificamente para esse grupo de titulares, caso existente; e
f) a proporcionalidade do tratamento de dados biométricos de torcedores crianças e adolescentes menores de 16 anos de idade, especificando a necessidade, a adequação e a proporcionalidade em sentido estrito das atividades de tratamento de dados biométricos.
Os problemas com a coleta biométrica massiva já tinha sido apontada no estudo “Esporte, Dados e Direitos: O Uso de Reconhecimento Facial nos Estádios Brasileiros”, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes, no Rio de Janeiro.
Agora, a investigação da ANPD destaca que a disseminação de reconhecimento facial nos estádios traz riscos à privacidade e à segurança dos torcedores. Essa tecnologia tem sido adotada para controle de acesso a estádios, com parte da finalidade relacionada à identificação e captura de criminosos, mas a ANPD questiona a legalidade e a proporcionalidade dessa prática.
E como destaca a Autoridade, a coleta “não é realizada para fins exclusivos de segurança pública ou atividades de investigação e repressão de infrações penais, mas ocorre a partir de uma relação de consumo existente entre torcedores e entidades esportivas”.
Segundo a análise, os clubes coletam e armazenam dados sensíveis dos torcedores sem fornecer informações claras sobre sua destinação, tempo de retenção e possíveis compartilhamentos com autoridades de segurança pública. Além disso, a ausência de um protocolo nacional que regulamente essa coleta gera insegurança jurídica e expõe os usuários a possíveis abusos.
Outro ponto crítico levantado é o risco de discriminação e falhas no sistema. A ANPD destaca que bases de dados desatualizadas e algoritmos tendenciosos podem levar a identificações errôneas, resultando em restrições indevidas e constrangimentos aos torcedores. A nota reforça que, sem critérios bem definidos, o reconhecimento facial pode ser utilizado de forma indiscriminada, ampliando a vigilância sobre a população sem o devido controle.