Opinião

O cerco da Anatel aos ISPs que não cumprem seus regulamentos

Bárbara Castro Alves (*)

O real número de conexões fixas ativas no país sempre foi incerto. Em seu último levantamento, Anatel apontava que, em julho, eram 49,7 milhões. O dado, porém, poderá ser corrigido, como a agência tem por hábito fazer. Em janeiro, por exemplo, seu site informava que havia, dois meses antes, 47,2 milhões de acessos. Já hoje, a página reporta que, naquele novembro de 2023, eram 48,4 milhões.

Mesmo com as revisões periódicas, a distorção parece ser muito maior. Conforme o Módulo de Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC) da PNAD Contínua, divulgado pelo IBGE em agosto, o número de domicílios com Internet fixa no país era de 63 milhões no ano passado.

O quadro resulta da recorrente subnotificação por parte de ISPs de menor porte. A Anatel, que sempre tratou com complacência os infratores, agora afirma, por meio de seu presidente, Carlos Baigorri, que caçará outorgas e autorizações dos que não reportarem dados sobre suas bases de clientes.

 A prática, que caracteriza descumprimento de obrigação regulatória, e outras irregularidades comuns no segmento – como artificialidades voltadas à elisão fiscal ou pura sonegação, ocupação irregular de postes e atuação na clandestinidade – serão os alvos preferenciais do Plano de Ação para o Combate à Concorrência Desleal na Prestação dos Serviços de Comunicação Multimídia. Sua elaboração e apresentação ao Conselho Diretor – conforme ofício encaminhado por Baigorri às superintendências de Competição e de Planejamento Regulatório da Anatel em 18 de setembro – deverá ocorrer “com a maior brevidade possível”.


Os provedores reportam à agência o número de acessos fornecidos por meio da Coleta Mensal. Talvez por ser a obrigação regulatória mais básica a ser cumprida por um prestador de SCM – que, ao não ser enviada por parcela significativa dos provedores, indica o grau de informalidade do segmento –, será o tópico que mais atenção receberá.

Embora a subnotificação, evidente e expressiva há anos, causasse constrangimentos à Anatel ao ferir a credibilidade dos seus balanços e comprometer a formulação de suas políticas de expansão da banda larga no país, fatos recentes parecem ter motivado a nova postura da agência.

Conforme disse seu presidente ao anunciar o plano em evento promovido pelo Tele.Síntese no final de setembro, ao solicitarem crédito para a recuperação de infraestruturas afetadas pelas enchentes de maio, provedores gaúchos apresentavam bases de clientes muito maiores que as reportadas à autarquia. Segundo Baigorri, para os que não reportam os acessos disponibilizados à agência, a solução será “caçar a outorga”.

O executivo mencionou o comprometimento de políticas públicas como razão para priorizar o tema. As outras coletas da agência, a semestral e a anual – compostas por dados econômico-financeiros e sobre infraestrutura, respectivamente –, tão importantes quanto para tal fim, já vinham sofrendo alterações e motivando questionamentos por parte da agência a provedores.

Desde o final de 2023, a Anatel passou a direcionar seus atos fiscalizatórios a empresas que obtinham mais de 40% de suas receitas com SVAs, classe que, por não sofrer incidência de ICMS e não implicar em contribuições para o FUST e para o Funttel, acabava por servir à prática de elisão fiscal, incorporando artificialmente ganhos obtidos via SCM. Embora não arbitre sobre essa categoria de serviços, a agência passou a exigir dos provedores o faturamento obtido com SVAs desde a última coleta semestral, cujo envio encerrou-se em maio.

Já quanto ao relatório anual, muitos prestadores tiveram de encaminhar esclarecimentos sobre estações que constavam no envio composto por dados de 2022 e que não apareciam no relatório seguinte. Ainda que essas duas coletas já recebessem atenção da agência, com sua nova postura, a cobrança com relação à veracidade de suas informações nelas reportadas deverá ser maior.

Outro alvo do plano são operadores que se valem de diversos CNPJs para, mesmo registrando faturamento anual superior a 3,6 milhões, permanecerem sob o SIMPLES Nacional, que tem carga tributária inferior a regimes como o Lucro Presumido ou Lucro Real.

Uma das formas que a Anatel dispõe para detectar provedores que se valem dessa artificialidade é identificar quantas empresas estão envolvidas na comercialização de uma mesma marca. Além de ferir as normas da agência, a prática configura crime fiscal, que pode ser comunicado pela autarquia à Receita Federal ou Secretaria da Fazenda e irá expor infratores a, pelo menos, dois processos e suas respectivas sanções.

Dada a urgência exigida pelo seu presidente, as ações da Anatel no combate à informalidade entre os ISPs devem iniciar-se em breve. Portanto, os que atuaram, em diferentes graus, à revelia da regulamentação do setor e pretendem continuar suas atividades, devem buscar a regularização o quanto antes. Em seu ofício à superintendência de assuntos regulatórios, Baigorri observou que os provedores regionais, ao atuarem em regiões pouco atrativas comercialmente, proporcionaram o salto da Internet no país, respondendo, no final de 2023, por 53,7% das conexões fixas ativas. Isso explica porque, até agora, a agência foi tolerante com as faltas dessas empresas. Esse tempo passou.

(*) Bárbara Castro Alves é gerente de assuntos regulatórios da VianaTel, consultoria especializada na regularização de provedores de Internet.

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