
A Advocacia-Geral da União protocolou nesta segunda, 26/5, um requerimento de urgência junto ao Supremo Tribunal Federal para pedir a aplicação imediata de medidas judiciais contra plataformas digitais para conter a crescente onda de desinformação, violência digital e os danos, resultantes da omissão das na moderação de conteúdo ilícito. A AGU quer adiantar o julgamento das ações que questionam a responsabilidade das plataformas diante do Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14).
O pedido da AGU faz um compilado de dados recentes que revelam graves ameaças à integridade de políticas públicas, à segurança digital da população, especialmente idosos, crianças e adolescentes, e ao próprio Estado Democrático de Direito. O cerne da discussão no STF reside na constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, que atualmente exige uma omissão contínua, mesmo após ordem judicial específica, para responsabilizar as plataformas por conteúdos ilícitos.
A tese defendida pela AGU, e amplamente espelhada no voto do ministro José Dias Toffoli, relator de um dos recursos, propõe uma mudança substancial: plataformas que impulsionam, moderam ou recomendam conteúdo ilícito devem ser responsabilizadas independentemente de notificação judicial. O voto do ministro Toffoli vai além, propondo um “decálogo” contra a violência digital e a desinformação, que estabelece dez eixos de deveres para as plataformas. Entre as medidas sugeridas, destacam-se a autenticação de contas, regras claras de moderação de conteúdo, relatórios semestrais de transparência e canais eficazes de denúncia.
Além disso, o entendimento do relator aponta que as plataformas devem responder civil e objetivamente quando envolvidas no impulsionamento, moderação ou recomendação de conteúdos ilegais. A responsabilização se estende à permissão de perfis falsos ou automatizados, e as empresas devem ser solidariamente responsáveis com os anunciantes em casos de fraudes, racismo, violência contra mulheres e crianças, incitação ao suicídio, uso indevido de inteligência artificial e desinformação eleitoral.
Na petição ajuizada, a AGU ressalta a urgência da responsabilização das plataformas diante de inúmeros casos de fraudes e crimes perpetrados por seus usuários. Dentre os exemplos citados estão fraudes contra o INSS, com mais de 300 anúncios fraudulentos identificados na biblioteca de anúncios da Meta (controladora do Facebook e Instagram), prometendo falsas indenizações do INSS em decorrência de fraudes descobertas pela Operação Sem Desconto. Esses anúncios utilizavam imagens manipuladas de figuras públicas e logotipos oficiais do Governo Federal, induzindo a população ao erro.
A AGU também aponta para a venda de medicamentos ilícitos, com identificação do uso indevido do logotipo da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) na venda online de medicamentos sem a devida chancela do órgão, além do uso indevido de imagens e símbolos de órgãos e entidades públicas federais.
A AGU destaca, ainda, a morte de crianças brasileiras após participarem de desafios propostos em redes sociais como TikTok e Kwai, expondo a inércia das plataformas em coibir conteúdos nocivos que colocam em risco a vida de menores.
Corroborando a gravidade da situação, uma reportagem do The Wall Street Journal, anexada à petição e publicada em 15 de maio de 2025, revela que cerca de 70% dos anunciantes recém-ativos na Meta promovem golpes, produtos ilegais ou de baixa qualidade. Documentos internos da própria empresa indicam que fraudadores podem acumular entre oito e 32 infrações antes de terem suas contas banidas, evidenciando uma preocupante inércia das plataformas diante de práticas nocivas. Há ainda indícios de que a Meta relutaria em verificar anúncios fraudulentos, em um modelo de negócios cuja receita publicitária ultrapassou, em 2024, US$ 160 bilhões.
A AGU ressalta que o acolhimento do pedido de urgência pelo STF não configura censura prévia, mas sim a imposição de deveres de diligência, cautela e responsabilidade, compatíveis com os riscos inerentes à atividade das plataformas e com os princípios do Código de Defesa do Consumidor.
“As recentes situações concretas acima relatadas expõem a continuada conduta omissiva dos provedores de aplicação de internet em remover e fiscalizar de forma efetiva os mencionados conteúdos, em desrespeito aos deveres de prevenção, precaução e segurança”, argumenta a AGU no pedido.
O pedido cautelar da AGU foi proposto no âmbito do Recurso Extraordinário n. 1.037.396 (Tema 987 da repercussão geral), interposto pelo Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., e agora aguarda a deliberação do Supremo Tribunal Federal, que terá em mãos a responsabilidade de traçar os novos contornos da atuação das redes sociais no Brasil.