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STF aperta redes sociais e impõe obrigações de controle de conteúdo

Empresas respondem por anúncios, impulsionamentos e robôs. Lista indica crimes sujeitos a notificação extrajudicial

O Supremo Tribunal Federal concluiu nesta quinta, 26/6, o julgamento de dois recursos que provocaram uma análise jurídica do Marco Civil da Internet (Lei 12.695/14) e resultou na ampliação substancial da responsabilidade que plataformas digitais têm sobre conteúdo postado pelos internautas.

“Produzimos uma solução bem equilibrada e moderada dentro das circunstâncias de um tema que é divisivo em todo o mundo e preservamos na maior extensão possível a liberdade de expressão, sem permitir que o mundo desabe em um abismo de incivilidade, legitimando discursos de ódio ou crimes indiscriminadamente praticados na rede”, defendeu o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, ao promulgar o resultado.

Por 8 votos a 3, o STF entendeu que o artigo 19 do MCI é parcialmente inconstitucional e exige uma interpretação mais abrangente, o que resultou em uma tese com 14 itens, incluindo a obrigação de remover conteúdo após notificação extrajudicial em sete tipos de crimes, bem como de monitoramento ativo do conteúdo de anúncios ou impulsionamento pago.

Para os demais casos, vale o previsto no artigo 19 – responsabilidade apenas se descumprir ordem judicial. Da mesma forma, essa será a regra geral para provedor de serviços de e-mail, provedor reuniões fechadas por vídeo ou voz e provedor de serviços de mensageria instantânea.

Detalhe: Em uma brecha que pode se mostrar relevante na disputa em curso com a Anatel sobre a venda de produtos de telecomunicações sem certificação, o STF colocou os marketplaces em outro tratamento, ao prever que eles respondem civilmente, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).


Um ponto muito importante da decisão do STF é que não haverá responsabilidade objetiva na aplicação da tese aprovada. “Deixamos claro que a responsabilidade é subjetiva, portanto, depende de culpa e de algum grau de relação causal atribuível à companhia”, frisou Barroso.

No entanto, fica estabelecida a presunção de responsabilidade dos provedores quando se tratar de conteúdos ilícitos em anúncios e impulsionamentos pagos, ou que sejam disseminados por rede artificial de distribuição, chatbots ou robôs.

O STF também exige representante legal no país dos “provedores de aplicações de internet com atuação no Brasil”, determina que os provedores elaborem uma autorregulação e que divulguem relatórios periódicos. E ao final, faz um apelo formal ao Legislativo para que ‘seja elaborada a legislação capaz de sanar as deficiências do atual regime de proteção de direitos fundamentais”.

Julgamento

A decisão se deu em função de dois recursos que chegaram ao STF. O primeiro caso envolvia um perfil falso no Facebook. A pessoa real do suposto perfil notificou a rede social, mas o FB só removeu após uma ordem judicial. O segundo caso envolvia uma comunidade que foi criada no finado Orkut, do Google, em que oito alunos ofendiam uma professora. A professora pediu a remoção do perfil, que também entendeu que só devia fazê-lo após ordem judicial.

José Dias Toffoli e Luiz Fux, relatores, começaram com votos pela inconstitucionalidade total do artigo 19, mas uma divergência parcial foi aberta por Luís Roberto Barroso, na linha da inconstitucionalidade parcial. Flávio Dino, Cristiano Zanin, Gilmar Mendes, Carmem Lúcia e Alexandre de Moraes acompanharam, com maior ou menor intensidade, o voto de Barroso.

Como os vários votos apresentaram soluções diferentes para a interpretação conforme do artigo 19 – ou seja, quais os casos deveriam ter qual tratamento – foi preciso uma negociação para consolidar uma tese única, aprovada por maioria, não por consenso. André Mendonça, Edson Fachin e Kássio Nunes Marques divergiram, por entenderem que a regra do artigo 19 é suficiente e deve ser mantida como está.

A íntegra da tese aprovada pelo STF é a seguinte:

Reconhecimento da inconstitucionalidade parcial e progressiva do artigo 19 do Marco Civil da Internet, MCI

1. O artigo 19 da Lei número 12.965, de 2014, Marco Civil da Internet, que exige ordem judicial específica para a responsabilização civil de provedor de aplicações de internet por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, é parcialmente inconstitucional. Há um estado de omissão parcial que decorre do fato de que a regra geral do artigo 19 não confere proteção suficiente a bens jurídicos constitucionais de alta relevância, proteção de direitos fundamentais e da democracia. Interpretação do artigo 19 do MCI.

2. Enquanto não sobrevier nova legislação, o artigo 19 do MCI deve ser interpretado de forma que os provedores de aplicação de internet estão sujeitos à responsabilização civil, ressalvada a aplicação das disposições específicas da legislação eleitoral e os atos normativos expedidos pelo Tribunal Superior Eleitoral, TSE.

3. O provedor de aplicações de internet será responsabilizado civilmente nos termos do artigo 21 do MCI, pelos danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros em casos. Atos ilícitos, sem prejuízo do dever de remoção do conteúdo. Aplica-se a mesma regra nos casos de contas denunciadas como inautênticas.

3.1. Nas hipóteses de crime contra honra, aplica-se o artigo 19 do MCI, sem prejuízo da possibilidade de remoção por notificação extrajudicial.

3.2. Em se tratando de sucessivas replicações do fato ofensivo já reconhecido por decisão judicial, todos os provedores de redes sociais deverão remover as publicações com idênticos conteúdos, independentemente de novas decisões judiciais, a partir de notificação judicial ou extrajudicial.

Presunção de responsabilidade

4. Fica estabelecida a presunção de responsabilidade dos provedores em casos de conteúdos ilícitos quando se tratar de

a) Anúncios e impulsionamentos pagos, ou

b. Rede artificial de distribuição, chatbots ou robôs.

Nesta hipótese, a responsabilização poderá se dar independentemente de notificação. Os provedores ficarão excluídos de responsabilidade se comprovarem que atuaram diligentemente e em tempo razoável para tornarem disponível o conteúdo.

Dever de cuidado em caso de circulação massiva de conteúdos ilícitos graves

5. O provedor de aplicações de internet é responsável quando não promover a indisponibilização imediata de conteúdos que configurem as práticas de crimes graves previstos no seguinte rol taxativo.

a) Condutas e atos antidemocráticos que se amoldem aos tipos previstos nos artigos 296, parágrafo único, 359L, 359M, 359N, 359P e 359R do Código Penal.

b) Crimes de terrorismo ou preparatórios de terrorismo tipificados pela Lei nº 13.

c) Crimes de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação nos termos do artigo 122 do Código Penal.

d) Incitação à discriminação em razão de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, sexualidade ou identidade de gênero, condutas homofóbicas e transfóbicas, passível de enquadramento nos artigos 20, 20A, 20B e 20C da Lei número 7716 de 1989.

e) Crimes praticados contra a mulher em razão da condição do sexo feminino, inclusive conteúdos que propagam ódio às mulheres. Lei 11.340/2006, Lei 10.442/2002, Lei 14.192/2021, Código Penal, artigo 141, parágrafo 3º Artigo 146A, artigo 147, parágrafo 1º Artigo 147A e artigo 147B do Código Penal.

f) Crimes sexuais contra pessoas vulneráveis, pornografia infantil e crimes graves contra crianças e adolescentes, nos temos dos artigos 217A, 218, 218A, 218B, 218C do Código Penal e dos artigos 240, 248 e 248A, 241C, 241D, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

g) Tráfico de Pessoas, Código Penal, Artigo 149A. 5.1, a responsabilidade dos provedores de aplicações de internet prevista neste item diz respeito à configuração de falha sistêmica.

5.2 Considera-se falha sistêmica imputável ao provedor de aplicações de internet deixar de adotar adequadas medidas de prevenção ou remoção dos conteúdos ilícitos anteriormente listados, configurando violação ou dever de atuar de forma responsável, transparente e cautelosa.

5.3 Consideram-se adequadas as medidas que, conforme o estado da técnica, forneçam os níveis mais elevados de segurança para o tipo de atividade desempenhada pelo provedor.

5.4 A existência de conteúdo ilícito de forma isolada, atomizada, não é por si só suficiente para ensejar a aplicação da responsabilidade civil do presente item. Contudo, nessa hipótese incidirá o regime de responsabilidade previsto no artigo 21 do marco civil da internet.

5.5 Nas hipóteses previstas nesse item, o responsável pela publicação do conteúdo removido pelo provedor de aplicações de internet poderá requerer judicialmente o seu restabelecimento, mediante demonstração da ausência de ilicitude. Ainda que o conteúdo seja restaurado por ordem judicial, não haverá. Imposição de indenização ao provedor. Incidência do artigo 19.

6. Aplica-se o artigo 19 do MCI ao:

a) provedor de serviços de e-mail,

b) provedor de aplicações cuja finalidade primordial seja a realização de reuniões fechadas por vídeo ou voz,

c) provedor de serviços de mensageria instantânea, também chamadas de provedores de serviços de mensageria privada, exclusivamente no que diz respeito às comunicações interpessoais resguardadas pelo sigilo das comunicações, artigo 5, inciso 12 da Constituição Federal, 1988.

Marketplaces

7. Os provedores de aplicações de internet que funcionarem como marketplaces respondem civilmente, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/1990.

Deveres adicionais

8. Os provedores de aplicações de internet deverão editar autorregulação que abranja, necessariamente, sistema de notificações devido ao processo e relatórios anuais de em relação a notificações extrajudiciais, anúncios e impulsionamentos.

9. Deverão igualmente disponibilizar a usuários e a não-usuários canais específicos de atendimento, preferencialmente eletrônicos, que sejam acessíveis e amplamente divulgados nas respectivas plataformas de maneira permanente.

10. Tais regras deverão ser publicadas e revisadas periodicamente, de forma transparente e acessível ao público.

11. Os provedores de aplicações de internet com atuação no Brasil devem constituir e manter sede e representante no país, cuja identificação e informações para contato deverão ser disponibilizadas e estar facilmente acessíveis nos respectivos sítios. Essa representação deve conferir ao representante, necessariamente pessoa jurídica com sede no país, plenos poderes para

a) responder perante as esferas administrativa e judicial,

b) prestar as autoridades competentes informações relativas ao funcionamento do provedor, as regras e aos procedimentos utilizados para moderação de conteúdo e para gestão das reclamações pelos sistemas internos, os relatórios de transparência, monitoramento e gestão dos riscos sistêmicos, as regras para o perfilamento de usuários quando for o caso, a veiculação de publicidade e o impulsionamento remunerado de conteúdos,

c) cumprir as determinações judiciais,

d) responder e cumprir eventuais penalizações, multas e afetações financeiras em que o representado incorrer, especialmente por descumprimento de obrigações legais e judiciais.

Natureza da responsabilidade

12. Não haverá responsabilidade objetiva na aplicação da tese aqui enunciada.

Apelo ao legislador

13. Apela-se ao Congresso Nacional para que seja elaborada a legislação capaz de sanar as deficiências do atual regime quanto à proteção de direitos fundamentais.

Modulação dos efeitos temporais

14. Preservar a segurança jurídica, ficam modulados os efeitos da presente decisão, que somente se aplicará prospectivamente, ressalvadas decisões transitadas em julgado.

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