STF: Toffoli propõe eliminar artigo 19 do Marco Civil para responsabilizar plataformas digitais
Relator propõe generalizar notificações extrajudiciais e responsabilizar engajamento
Relator de um dos casos emblemáticos sobre responsabilidade de plataformas digitais no Supremo Tribunal Federal, o ministro José Dias Toffoli propôs em seu voto, apresentado nesta quinta, 5/12, declarar inconstitucional o artigo 19 do Marco Civil da Internet e generalizar a sistemática prevista no artigo 21 da mesma lei, de notificação extrajudicial, até aqui restrita a casos de sexo e nudez.
O sistema, conhecido como ‘notice and takedown’, foi rebatizado pelo ministro Toffoli como ‘notice and analysis’, por entender que a plataforma digital poderá avaliar o pedido contido na notificação extrajudicial – e assumir a responsabilidade dessa decisão.
“A regra geral é a aplicação do notice and analysis, notifica-se e analisa-se. A plataforma, se retirar excessivamente, estará sujeita a uma ação judicial para repor. Se não retirar o que é ilícito e ilegal, estará sujeita a uma ação, mas já responderá desde a notificação pela responsabilidade civil de já tê-lo feito. E não só após o descumprimento de uma decisão judicial, esta é a diferença”, afirmou o relator do Recurso Extraordinário 1037396.
Nesta quinta foi retomado o julgamento desse caso e do RE 1057258, correlato, mas que é relatado pelo ministro Luiz Fux. E a decisão do Plenário do Supremo foi concluir o voto de Toffoli e deixar o voto de Fux para a próxima quarta, 11/12. Só então os ministros votarão em ambos os casos.
“Meu voto é no sentido de declarar inconstitucional o artigo 19 e procurando ser deferente, respeitoso, ao Parlamento, procuro no próprio Marco Civil da Internet um marco legal para ser a regra geral de soluções dos conflitos que surjam no meio das plataformas. Na ausência do artigo 19 no Marco Civil, que declaro inconstitucional e retiro da ordem jurídica, proponho que passe a valer como regra geral para provedores de aplicações de internet a previsão do artigo 21, com a interpretação conforme a Constituição de 1988”, relatou Toffoli.
“O entendimento adotado neste voto, incluindo a responsabilidade objetiva, ensejará mudança de conduta por parte dos provedores de aplicações. E é exatamente isso o que esperamos. Sempre haverá uma zona cinzenta, mas ela será residual. O que não dá é para ter imunidade”, sustentou o ministro relator do caso.
Toffoli explicou, ainda, que “o provedor será responsabilizado civilmente pelos danos decorrentes de conteúdos gerados por terceiros, inclusive na hipótese danos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, hipótese do 21, quando notificado pelo ofendido ou seu representante legal, preferencialmente pelos canais de atendimento, e deixar promover, em prazo razoável, as providências cabíveis, ressalvadas as provisões do Tribunal Superior Eleitoral e a Justiça Eleitoral”.
“A partir de agora, basta a ciência inequívoca, a notificação extrajudicial do provedor de aplicações de internet, preferencialmente por canais específicos de notificação quanto ao conteúdo supostamente infringente, para que o provedor possa a vir a responder pelo dano decorrente caso permaneça inerte”, disse Toffoli.
Segundo o ministro, “sempre haverá uma zona cinzenta em que o provedor fará uma avaliação se aquilo é fraudulento, golpe, algo ‘fake’. E na medida que entender que é lícito, poderá manter, é óbvio. Notifica-se e analisa-se. E a plataforma assume o risco da responsabilização, pode tirar ou não tirar, de acordo com a jurisprudência, com as leis do país, com o que é legal ou ilegal. Não significa que não poderá manter o conteúdo que entender lícito. Poderá fazê-lo. Mas, ao afastar o artigo 19, estamos retirando uma imunidade”.
O voto considera infringente tanto o conteúdo ofensivo quanto o conteúdo ilícito. É considerado conteúdo ofensivo aquele que tem aptidão, por exemplo, para maltratar, humilhar, ultrajar, expor ao ridículo, denegrir a imagem ou reputação de alguém, ofendendo sua intimidade, privacidade, honra, objetiva ou subjetiva ou imagem. I
Já ilícito é conteúdo em desconformidade com a Constituição, a Legislação e os normativos vigentes. Também se considera ilícito material inequivocadamente desinformativo, a notícia fraudulenta, integral ou parcialmente inverídica e que tenha aptidão para ludibriar o receptor, influenciando seu comportamento com a finalidade de alcançar uma vantagem específica indevida e material que possa consubstanciar atividade ilegal.
Esses, emendou o relator, são os casos da responsabilidade decorrentes de conteúdos de terceiros. Toffoli, no entanto, aponta para os casos em que as plataformas digitais têm responsabilidade objetiva. “O conteúdo pode ser de terceiro, mas o engajamento, a viralização pode ser da plataforma, aí ela passa a responder diretamente.” Os provedores também responderão de forma objetiva quando se tratar de conta inautêntica.
“Não tem como não estabelecermos hipóteses de responsabilidade objetiva. E o 8 de janeiro mostra isso. Novembro passado mostra isso. Muitos provedores de aplicações nem são meros intermediários de conteúdos, não atuam de forma neutra e passiva, mas interferem ativamente no fluxo das comunicações pela atuação algorítmica e automatizada que recomenda e impulsiona os conteúdos de seus usuários ou anunciantes. E assim acontece nas redes populares do mundo, a exemplo do Facebook, Instagram, X, ou mecanismos de busca como Google, e até mesmo provedores de marketplace, capitaneados pela Amazon, Shopee e Mercado Livre, ou plataformas de streaming, Netflix, Spotify, fazem recomendações e impulsionam conteúdo, sobretudo de publicidade”, disse Toffoli.